Na impossibilidade de dizer melhor, faço minhas as palavras deste teólogo e filósofo, para falar do fenómeno e realidade de Fátima, dada a proximidade do centenário das Aparições. AH
O que eu penso sobre Fátima
(1)
Anselmo Borges
Antes de entrar no tema
propriamente dito, quero deixar três notas prévias, que devo ao leitor. A
primeira, para dizer que, a pedido da revista internacional Concilium, escrevi,
de modo mais organizado, um texto sobre Fátima, a publicar no mês de Junho. A
segunda, mais importante, para esclarecer que fui ordenado padre em Fátima pelo
cardeal Cerejeira e que, sempre que lá vou para fazer conferências, passo pela
Capelinha das Aparições e ali rezo como tantos outros. Depois, à pergunta se
vou a Fátima por causa da vinda do Papa respondo que não, porque não gosto de
confusões e penso que os responsáveis da Igreja deveriam prevenir as pessoas,
pois correm o risco de uma imensa desilusão, já que muitas dificilmente verão o
Papa. Prestado este preâmbulo, o tema.
1. Deve ficar claro, desde o princípio, que Fátima não é dogma de fé. Que é que isto significa? Que se pode ser bom católico e não acreditar em Fátima. Fátima não faz parte do Credo. Outro esclarecimento mais urgente ainda: Fátima não ocupa nem pode ocupar o centro do cristianismo, o centro é Jesus de Nazaré, confessado como o Cristo, portanto, Jesus Cristo, e o Deus de Jesus e as pessoas, todas.
Aí está a razão por que, como disse a João Céu e Silva para o seu belo livro sobre Fátima, Fátima. A Profecia Que Assusta o Vaticano, eu trouxe a Portugal grandes teólogos, para congressos e colóquios, e não manifestaram interesse em ir a Fátima. De facto, Fátima não é propriamente uma questão teológica, é sobretudo uma questão de religiosidade popular. De imenso significado e que deve ser respeitada, sem dúvida alguma.
1. Deve ficar claro, desde o princípio, que Fátima não é dogma de fé. Que é que isto significa? Que se pode ser bom católico e não acreditar em Fátima. Fátima não faz parte do Credo. Outro esclarecimento mais urgente ainda: Fátima não ocupa nem pode ocupar o centro do cristianismo, o centro é Jesus de Nazaré, confessado como o Cristo, portanto, Jesus Cristo, e o Deus de Jesus e as pessoas, todas.
Aí está a razão por que, como disse a João Céu e Silva para o seu belo livro sobre Fátima, Fátima. A Profecia Que Assusta o Vaticano, eu trouxe a Portugal grandes teólogos, para congressos e colóquios, e não manifestaram interesse em ir a Fátima. De facto, Fátima não é propriamente uma questão teológica, é sobretudo uma questão de religiosidade popular. De imenso significado e que deve ser respeitada, sem dúvida alguma.
2. Para surpresa de alguns,
confesso que não me custa admitir que as três crianças, os pastorinhos, tenham
feito uma verdadeira experiência religiosa em Fátima.
Qualquer pessoa minimamente
atenta, quer queira quer não, acaba por perceber que há um mistério no mundo.
Fernando Pessoa dizia: olha para o lado e o mistério está lá (cito de cor), mas
eu digo mais: ele está ao lado, em cima, em baixo, dentro, fora, em toda a
parte. E todos somos confrontados com esse enigma e mistério e perguntamos: o
que é isto?, qual é o fundamento de tudo?, qual é o sentido da existência?,
para quê tudo? Crente é aquele, aquela, que se entrega confiadamente ao
Mistério, ao Sagrado, esperando dele sentido, sentido último, salvação.
Escusado será dizer que essa experiência e essa resposta confiada de fé surgem
sempre interpretadas num determinado contexto existencial, pessoal, social,
histórico, no quadro de pressupostos e expectativas, e na e pela sua mediação
também.
3. As crianças também podem fazer
uma experiência religiosa. E isso, repito, pode ter acontecido também em Fátima
com aquelas crianças, os três pastorinhos. De facto, não consta que tenham sido
pagas para dizer que viram Nossa Senhora; pelo contrário, até sofreram
bastante. A própria Igreja, no começo, pôs muitas reticências.
Mas, acrescento, foi uma
experiência religiosa, evidentemente, à maneira de crianças e no contexto
histórico da altura: havia perseguição religiosa da Igreja por parte da
Primeira República, estava-se em guerra (as crianças devem ter ouvido falar
sobre a I Guerra Mundial e de como os soldados partiam para a guerra), e
vivia-se no enquadramento religioso da época, que implicava as chamadas missões
populares, com pregadores "missionários" que vinham de fora e, do
alto dos púlpitos, aterrorizavam os fiéis com sermões de temor de Deus e terror
do inferno. As crianças ouviam estas coisas na igreja e em casa.
Assim, tratou-se de uma
experiência religiosa à maneira de crianças e segundo esquemas e uma imagética
hermenêutico-interpretativa situada no seu contexto. Não se pode esquecer que a
experiência religiosa se dá sempre dentro de uma interpretação, de tal modo que
há experiências religiosas melhores e piores ou menos boas. A daquelas crianças
não foi das melhores, pois pode-se, por exemplo, perguntar: que mãe mostraria o
inferno a crianças de 10, 9 e 7 anos? Os pastorinhos ficaram marcados
negativamente e, de algum modo, com a vida tolhida. Ao mesmo tempo, e isso é
admirável, tiveram uma imensa generosidade face à situação que viviam.
Acrescente-se que aquele núcleo
de experiência foi sendo submetido a arranjos e rearranjos ao longo do tempo,
segundo novos esquemas interpretativos, no contexto de novas situações históricas
e novos desenvolvimentos.
4. Perguntam-me: e eles viram
mesmo Nossa Senhora? Maria, a mãe de Jesus, apareceu mesmo?
Aqui, é decisivo fazer uma distinção essencial. Entre aparições e visões. Uma aparição é objectiva, como, quando, por exemplo, estamos a conversar com uma pessoa e chega uma outra pessoa: os dois vemos a terceira pessoa que chega; se estivéssemos quatro ou cinco pessoas, seríamos quatro ou cinco a ver e a constatar a chegada objectiva desta outra pessoa. Evidentemente, não foi isso que aconteceu em Fátima e, neste sentido, é claro que Nossa Senhora não apareceu em Fátima aos pastorinhos. Se fosse uma aparição, todos os presentes veriam e constatariam a sua presença, o que não aconteceu nem podia acontecer, pois Maria não tem um corpo físico que possa mostrar-se empiricamente.
Aqui, é decisivo fazer uma distinção essencial. Entre aparições e visões. Uma aparição é objectiva, como, quando, por exemplo, estamos a conversar com uma pessoa e chega uma outra pessoa: os dois vemos a terceira pessoa que chega; se estivéssemos quatro ou cinco pessoas, seríamos quatro ou cinco a ver e a constatar a chegada objectiva desta outra pessoa. Evidentemente, não foi isso que aconteceu em Fátima e, neste sentido, é claro que Nossa Senhora não apareceu em Fátima aos pastorinhos. Se fosse uma aparição, todos os presentes veriam e constatariam a sua presença, o que não aconteceu nem podia acontecer, pois Maria não tem um corpo físico que possa mostrar-se empiricamente.
Tudo o que é espiritual é da
ordem espiritual. Por exemplo, na Anunciação, não apareceu
empírico-objectivamente nenhum anjo a falar com Maria. O que ela teve foi uma
experiência místico-religiosa interior. Isso é uma visão, no sentido técnico da
palavra: uma percepção interior. As grandes experiências são interiores e vão
para lá do empírico. Afinal, a objectividade empírica não detém o monopólio de
toda a realidade, da realidade mais verdadeira. (Continuaremos).
Padre e professor de Filosofia