sábado, 31 de março de 2018

Uma sexta-feira santa diferente


É costume eu participar na celebração da Morte do Senhor às quinze horas. Para mim, sempre foi um momento significativo, tão forte que nunca fui capaz de viver aquela hora sem parar na igreja ou em qualquer outro lugar onde estivesse.
Este ano não foi possível estar na igreja. A convite de uns amigos que vieram de longe, não quis furtar-me a um almoço com eles, o único possível encontro com quem veio de muito longe e queria celebrar a nossa amizade. As decisões têm sempre outras alternativas e temos de conversar com a nossa consciência para com ela discutir sobre qual o melhor caminho. Para mim, foi este…
Assim, um pouco pressionado por esta ausência de paragem à “hora tertia”, comprometi-me a ir à noite à Via-Sacra na Igreja Scalabrini, preparada e levada a cabo pelos jovens da paróquia, cerimónia em que não costumo participar.  
Sinceramente, valeu a pena, não obstante as duas horas que o acto demorou. Logo à entrada da porta, velas acesas e toda a igreja em semi-obscuridade convidavam ao silêncio e ao recolhimento, a que os fiéis aderiram com normalidade. E toda a cerimónia se viveu neste ambiente em que a luz focava, em cores diferentes, os motivos ou os figurantes de cada cena.
No espaço do altar, erguiam-se velas acesas, em grupos de sete, assim como na parede se destacavam a estrela de David e o candelabro judaico de sete velas também, número simbólico a indicar a realização completa da obra da salvação, juntando Antigo e Novo Testamento num único momento de sacrifício salvador da humanidade.
As 14 estações da Via Sacra eram momentos de reflexão, unindo a palavra do Evangelho, pequenos comentários e a representação cénica de cada um dos passos da Paixão e Morte de Jesus. Estes jovens levaram a sério o seu trabalho, numa linguagem adequada a cada momento, com gestos e movimentações suaves, entrecortadas por cenas ásperas como o encontro no Getsémani, as três negações de Pedro e as imprecações da plebe a gritar “Crucifica-o”.
O órgão unia cada momento numa toada surda e o coro de crianças elevava a alma numa oração cantada a Deus Pai, ao Filho ou a sua Mãe.  14 estações, 14 Padre-Nossos e 14 jaculatórias “Nós vos louvamos e adoramos, Jesus Cristo / Que pela vossa santa cruz remistes o mundo”.

Pormenores a reter

1 – As criadas exasperaram Pedro, que negava conhecer Jesus. Para mentir, até temos de levantar a voz, embora sem sucesso, pois o galo não se esqueceu de cantar. A mentira dói, e os amigos não merecem tal desatino…
2 – Aquele Pilatos vivia cheio de força e ao mesmo tempo titubeante a andar por ali sem saber bem o que fazer. Também lava as mãos e pergunta o que é a verdade, mas o poder tolda as consciências e as respostas tornam-se desumanas.
3 – Simão de Cirene, um estrangeiro, é obrigado a carregar a cruz que Jesus não suportava. Os estrangeiros são muitas vezes tratados assim, infelizmente… Até a cananeia, para ser atendida por Jesus, teve de dizer que «os cachorrinhos comem as migalhas da mesa do seu senhor»… E quantas cruzes inesperadas nos surgem pela frente a cada dia? Aceitar a vida com as sombras negativas é também atitude cristã. Fê-lo Jesus, que não desejava tal fim humano…
4 – O Jesus humilde, sereno, que poucas vezes levanta a voz, cabia bem na figura daquele jovem. Com tanto frio que fazia, até foi crucificado. E as três pancadas do martelo na cruz também me bateram no peito ou na consciência… Muito enternecedora e trágica foi a cena de Maria a receber em seu colo o filho morto. Dá que pensar.
5 – Termino, para não me alongar demais, com os parabéns a todos os que prepararam este momento de teatro religioso, que nos ajudou a reflectir e a rezar, sem esquecer os que ficaram por detrás e ajudaram os jovens a preparar as cenas.
E volto a elogiar todo o ambiente de recolhimento, provocado por luzes, sons e imagens que nos fizeram concentrar no principal. Já S. Inácio de Loiola dizia que para rezar era importante «fazer a composição do lugar».

António Henriques


segunda-feira, 26 de março de 2018

Escapada alentejana



Por vezes, é preciso celebrar a vida de um modo diferente, quando a história pessoal o aconselha. E que rico fim-de-semana vivemos, a partir de 22 de Março. Quisemos mergulhar no Alentejo, sentir o seu pulsar e conviver com as suas virtualidades. Primeira paragem no Redondo. Vila em franca actividade, com muralhas e torre de menagem, com olaria, culturas da vinha e do azeite. Pessoas a saber receber-nos…
Passeámos pelas ruas em busca do desconhecido. Sem horas marcadas, conversa fácil. Visitámos Igreja, Museu do Barro, a Porta da Ravessa. Almoço com migas de espargos e “lagartos” grelhados (as tiras menos gordurosas dos bifinhos de porco!). Corremos duas ou três olarias… Que bom…
Seguimos para Reguengos de Monsaraz, rodeada de preciosidades turísticas. Reguengos é terra de vinho, em franco desenvolvimento, onde até espanta ver, nos dias que correm, uma urbanização nova em construção. Em redor, além de Monsaraz, onde o xisto e a cal branca reinam, vemos as águas do Alqueva, que pintam de azul os verdes da paisagem. Olhar o horizonte sem pressa, que felicidade… E aquela açorda de cação no Beiral de Mourão? Fica na memória… Ainda pusemos os pés em Espanha, mas, sem um restaurante e com gasolineira fechada, voltámos a correr… 
Depois, avançámos para sul, visitando Vidigueira e Cuba, onde nunca tinha estado. Gostámos! A limpeza, a organização harmoniosa do espaço dizem-nos que não são terras abandonadas. Surpresas? A torre do Relógio sobressai na Vidigueira e, em Cuba, demos com o local onde se lembra que ali nasceu Cristóvão Colombo. E comemos feijoada com tengarrinhas, palavra que tantas vezes lembrei na apresentação dos livros da Maria Vitória Afonso e agora me apareceram pela frente. Saborosas! Em Beja, na praça, conseguimos comprar um molho, para em casa repetir a receita… Assim se matam saudades…
Gostámos deste passeio. As fotos ajudam a ver mais que as palavras. Obrigado por me lerem. 

António Henriques









quarta-feira, 21 de março de 2018

Outra visão de José Régio

A visita a um museu, mesmo repetida, traz sempre alguma surpresa. Aconteceu-me também na última visita que fizemos à Casa-Museu José Régio em Portalegre.
Ainda agora me espanto com o pedaço de tronco espalmado, coberto por um simples cobertor, que servia de assento ao professor e autor José Régio durante as muitas horas diárias em que ele trabalhava a preparar as aulas e a produzir obra literária. Infelizmente não tenho foto. Era desta forma, sem um encosto sequer, que ele combatia o sono...
Além disso, também me chamou a atenção especial um grande quadro a cores pintado pelo artista. Pergunto à guia, que me diz que aquele quadro era uma transposição para pintura do crucifixo que estava em frente, feita pelo próprio artista, que cultivava um sentimento de união ao Cristo sofredor.  José Régio1.jpg
Esta faceta era-me desconhecida. Nas investigações que fiz posteriormente, descobri que os quatro irmãos Reis Pereira - José, Júlio, João Maria e Apolinário - se irmanavam também no gosto e cultivo do desenho e da pintura e os três primeiros ficaram igualmente conhecidos pela sua produção poética. É o próprio José Régio que fala desta comunhão fraternal pelas artes no seu livro "Confissão de um Homem Religioso".
O quadro a cores que vos apresento não será uma preciosidade artística, mas é já um exemplo de expressionismo modernista, com uma livre ondulação de linhas e onde as figuras permanecem numa obnubilação misteriosa, sobretudo aquela trágica cabeça de Cristo que o artista deixa apenas com alguns traços. Mais visível está o outro cristo, ao fundo do quadro.
Trago taJosé Régio 5.jpgmbém para aqui o crucifixo em que Régio se inspirou para produzir esta obra plástica, que no canto inferior direito se diz que é um estudo para tapeçaria, se é que eu leio bem. Será uma proposta para as Tapeçarias de Guy Fino, as célebres tapeçarias de Portalegre, com quem Régio privava com assiduidade? Eu ainda conheci o Dr. João Tavares, um dos artistas que mais cartões pintou para serem reproduzidos em tapetes e que era um dos poucos amigos de Régio, daquele círculo fechado que se reunia na mesa do canto no Café Alentejano.
Já agora, para rechear mais este post, ainda digo que este jeito para as artes plásticas levou o nosso artista a ilustrar ele próprio os seus livros. São desenhos que estão de acordo com este quadro e reflectem também o sentido trágico e misterioso da vida. As ilustrações que descobri são, penso eu, do seu livro "Poemas de Deus e do Diabo".

António Henriques








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quinta-feira, 8 de março de 2018

Dia Internacional da Mulher

Na homenagem à MULHER-FLOR da minha casa, presto homenagem a todas as mulheres, que adoçam, suavizam, facilitam e iluminam os nossos passos.

Hoje deu-me para isto, eu que não gosto muito destes dias especiais, pois normalmente sugerem logo que algo vai mal neste reino.

Mas é tão fácil constatar a importância da mulher no nosso dia-a-dia, que eu cometi esta excepção. Penso primeiro na Antonieta, é verdade, mas homenageio todas as mulheres, mesmo aquelas que não conheço. No correr dos dias, as mulheres são um exemplo de trabalho, persistência, coragem, sacrifício a favor do equilíbrio do mundo, da normalidade das relações, da humanização dos serviços e do ambiente afectuoso em que gostamos de viver.
Cá em casa, a Antonieta é mesmo este ser especial para quem todos olhamos com carinho, enlevo e muita admiração. E amamos-te, minha mulher e mãe dos meus filhos.
António Henriques